Luísa morava numa rua mágica, cheia de segredos bons. Era uma rua com três casas bem juntinhas, onde os muros não se separavam — eles uniam. Tinham buracos nas paredes, passagens escondidas, portinhas improvisadas feitas por mãos pequenas e alegres.
— Ô prima, me espera! — ela gritava, correndo de uma casa pra outra.
Era como viver num mundo encantado, onde cada quintal era um reino e cada tio, uma espécie de herói.
A casa do meio era a mais especial. Tinha um jardim tão grande que parecia não ter fim. Ali, Luísa e os primos brincavam de faz de conta: se transformavam em borboletas, fadas, piratas e exploradores. As meninas mais velhas pintavam os rostos das pequenas com batom, tinta guache e até lápis de cor. E tinha um tio muito especial, o único menino da turma!, que cuidava de todas elas como se fossem suas irmãs.
Às vezes, eles faziam festas inventadas. Pegavam toalhas de mesa, flores do quintal e organizavam piqueniques com bolacha recheada e suco colorido. Quando chovia, corriam pra dentro e faziam cabaninhas com lençóis. Era tudo tão divertido que ninguém queria ir embora.
Mas um dia, Luísa teve que se mudar para São Paulo.
A cidade era enorme, cheia de prédios altos e ruas que nunca dormiam. O céu parecia mais longe, e os carros faziam barulho demais. No primeiro dia de frio, Luísa encolheu os ombros e olhou pra avó. Com voz baixinha, pediu:
— Vó… posso voltar pra morar com você?
Ela sentia falta do cheiro da terra molhada, dos gritos alegres dos primos e da luz dourada das tardes em Bauru. Sentia falta de estar cercada por gente que amava.
Luísa tinha duas avós, tão diferentes e tão incríveis!
A avó da roça, lá em Sorocaba, era forte como árvore velha. Sabia fazer broa de milho, cuidar de galinha, plantar mandioca e cortar lenha. Quando a neta se machucava, ela fazia um chá esquisito que funcionava melhor que remédio de farmácia.
Já a avó da cidade, em Bauru, era toda elegante. Usava vestidos cheirosos, colares bonitos e penteava o cabelo com cuidado. Gostava de contar histórias cheias de lição, daquelas que fazem a gente pensar. Quando ela falava, Luísa achava que o mundo ficava mais calmo.
Das duas, Luísa aprendeu o que levaria pra vida toda: Com uma, aprendeu a ser valente. Com a outra, aprendeu a ser gentil.
Cresceu querendo cuidar dos animais. Estudou bastante, virou veterinária e passou a tratar bichos grandes e pequenos. Trabalhou em hospitais, deu aula, viajou o mundo. Foi até pra Kuala Lumpur, um lugar longe, cheio de árvores altas e comida diferente. Lá, estudou doenças misteriosas. Era como uma detetive da natureza.
Mesmo com tanto conhecimento, ela sempre dizia:
— Quanto mais a gente sabe, mais percebe que ainda tem muito pra aprender.
Luísa se casou com Nilo, um homem alto, engraçado e bom de bola. Ele jogava futebol com os sobrinhos, contava piadas e gostava de fazer todo mundo rir. Quando nasceu o primeiro filho, ela achava que seria menina e se chamaria Maria. Mas veio um menino! E o pai, todo animado, correu no cartório e registrou como Nilo Júnior — sem nem perguntar!
Luísa ficou brava, claro. Mas depois riu. Porque no fundo, ela sabia: a vida é cheia de surpresas engraçadas.
O tempo passou, e ela virou avó também. Uma avó carinhosa, que manda mensagem de boa noite com coraçãozinho e florzinha. Que escuta as histórias dos netos e diz:
— Conta mais! Eu adoro ouvir você.
Ela plantou no coração dos netos o mesmo que recebeu na infância: Brincar com liberdade. Viver com coragem. E amar com doçura.
E sabe o que é mais bonito? Luísa nunca esqueceu da casa sem muros. Ela ainda acredita que o mundo pode ser assim: Com menos paredes e mais passagens. Com mais portas abertas e menos fechaduras. Hoje, Luísa anda mais devagar, mas seus olhos continuam brilhando como quando era criança.
Ela olha o céu e pensa: “Se eu puder deixar uma coisa só para o mundo, que seja isso — a ideia de que as melhores casas são feitas de gente, não de tijolos.” E talvez, um dia, seus netos também construam casas assim: cheias de afeto, com passagens secretas, jardins encantado e muros que mais parecem abraços. Porque quando a gente planta amor, até o cimento aprende a florescer.

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